terça-feira, 25 de agosto de 2009

Olhe de fora

É impressionante como as coisas podem ser. Eu sento na mesma cadeira do lado da mesma janela há anos, pintado sempre o mesmo quadro de prédios que escondem o horizonte e o único movimento visível de nuvens acinzentadas cruzando os céus. Só daqui, sentado, olhando por minha janela, eu posso ver dezenas de outras janelas, dezenas de outros lares. Sei que a cada lar, uma situação, uma vida, mas morbidamente eu nunca vejo ninguém nessas janelas. São como se fossem dezenas de rostos sem face, dezenas de pessoas que não estão lá, dezenas de lugares vazios.

Posso dizer que todo ano erguem um novo edifício à vista de minha janela. Passo alguns meses vendo seus construtores, os operários distantes, pequeninos como formiguinhas, quase sem identidade, como se eu pudesse esmagá-los com os dedos. E ao fim, terminada a obra, mais um prédio, mais inúmeras janelas, mais saber que tem alguém em sua ausência, saber que pessoas existem mesmo sem vê-las, saber que há mais um personagem anônimo no quadro de minha janela.

Como se pode mudar um quadro já pintado? Eu já mudei de endereço desde que cataloguei esta situação, mas ela torna a se repetir. Torna a se mostrar miseravelmente a mesma. É possível que parem de construir mais deles, que eles se movimentem, que tenham vida? Eu estou vendo os prédios errados, de forma errada? Será esta uma sina normal a todos os seres humanos e apenas estarei eu dramatizando demais?

Eu queria poder derrubar prédios. Eu queria poder ter a força de um tufão. Arruinar a cidade e seus bairros, trazendo todo o concreto e tijolos ao solo. Queria poder limpar mais uma vez a terra de seu asfalto, reduzir novamente à areia e pedras as obras, revirginar a paisagem que eu poderia estar vendo de minha janela e então, aí sim, recomeçar o serviço das formiguinhas, pedaço por pedaço, parte por parte, casa por casa, ocupando cada janela e sem subir edifícios em número ao ponto de cobrirem o horizonte.

Talvez eu nunca derrube prédios, talvez eu nunca veja vida nas janelas. Talvez a cidade lá fora seja autônoma e imutável. Mas pensando bem, oras então, talvez eu remobilhe meu quarto e repinte as paredes! Enfim, esta janela vive! Não é porque lá vora está um caos que precisa estar aqui dentro também! Eu tenho as coisas e pessoas que quero, eu tenho as coisas e pessoas que eu amo, afinal, elas estão dentro de casa, não em uma janela lá fora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deseja comentar o texto acima? Perfeito! Elogie, concorde comigo ou vá embora.